Você já viu essa cena? Uma sala com várias pessoas, onde duas delas volta e meia debatem vigorosamente — como se esses indivíduos enxergassem o mundo de forma completamente diferente, sabe?
Enquanto um tenta provocar, descobrir e explorar, o outro fica na defensiva, dizendo 'não dá', "não funciona" e tenta garantir que nada saia do script - foco total 'garantido'.
Já reparou que não raro, ambos estão certos?
Só que nessa treta as ideias perdem protagonismo, o time fica frustrado, assistindo com cara de Pikachu surpreso e a inovação acaba escorrendo pelo ralo.
Há quem diga que isso é um problema de 'comunicação". Mas aqui vou explicar do porquê esses perfis serem fundamentais pra ideação e como é possível fazer os polos opostos dar liga.
Primeiro, vamos dar nome aos bois
Vou chamar um Perfil de Explorador e o outro de Realizador.
O Explorador é movido pela dúvida, pela descoberta, pelo questionamento e exploração.
O Realizador é guiado pela entrega, pelas boas práticas, pela precisão e previsibilidade.
Saber diferenciar as preferências de cada perfil não é tão difícil assim:

Esses perfis não são inimigos ou antagônicos, apenas diferentes. E esses nomes que estou usando são pontos de tendência, não rótulos fixos. Muitas pessoas transitam entre os dois polos, especialmente quando o contexto é bem estruturado — e são essas que tendem a se destacar como lideranças em ambientes de transformação.
O problema surge quando a pessoa com perfil mais exploradora é taxada como sonhadora ou ‘professor pardal’. Não raramente ela escuta o famoso 'o papel aceita tudo'.
Aí quem tem mais perfil de realizador fica sendo chamado de 'o chatão', cabeça dura ou de covarde.
Onde está a origem do erro?
Foi na hora de chamar o povo pra construir foguetes quando só queriam montar um móvel da Tokstok
É isso que acontece quando se espera comportamento de exploração de quem foi treinado a vida toda por ser impecável na execução — inclusive sendo recompensado por isso.
O oposto também vale: colocar um Explorador para repetir processos é querer ver sua alma sair do corpo, de tanta frustração.
O nome disso não é incompetência. É incompatibilidade momentânea de contexto.
A neurociência é importante nesse entendimento:
Pegando como referência alguns argumentos explicados nos livros Behave, Predisposed, Moral Tribes, Loonshots e alguns materiais de investimentos (links no fim do artigo), a hipótese aqui é de que estes perfis têm comportamentos diferentes por causa da forma como seus cérebros reagem aos estímulos externos.
Exploradores:
É possível que as pessoas mais exploradoras tenham sistemas mais sensíveis à dopamina e uma dinâmica própria no Córtex Anterior Cingulado (ACC). Isso faz elas se sentirem mais recompensadas com novas descobertas, situações diferentes ou mesmo imprevisíveis. Por isso a curiosidade. A vontade de perguntar "e se...?".
Inclusive o AAC, que também faz o monitoramento de conflitos, pode desempenhar um papel na hora de considerar ideias incomuns. Esta área do cérebro pode ser relevante em relação à capacidade de alternar entre diferentes estratégias.

Possivelmente por causa deste padrão de funcionamento nesta área essas pessoas tenham maior tolerância à incerteza e à ambiguidade, tendendo a ser mais abertas à novas experiências (talvez até por causa da forma como modulam respostas impulsivas).
Algumas pesquisas chegam a indicar que o ACC pode ser ativado logo antes de insights surgirem. Curioso, não?
Realizadores:
Já os Realizadores seriam mais 'estáveis' e 'focados', sob maior influência da Amígdala, ligada à questões como medo e vigilância. Possivelmente por serem mais sensíveis ao cortisol, este perfil tem maior aversão ao erro e a incerteza - e valorizam situações de previsibilidade.
É possível que essa pessoa tenha um perfil de investimento focado em retorno 'garantido', muitas vezes priorizando o curto prazo.
Esse perfil também costuma ser associado ao conceito de ‘conservador’ e possivelmente representa uma parcela maior da população em comparação com o perfil ‘explorador’.
Disclaimer:
Embora a genética tenha um papel importante na 'formatação' do cérebro, é sempre bom lembrar que questões ambientais e sociais possuem um papel tão relevante quanto o 'padrão de fábrica' — então saber criar o contexto certo é fundamental para 'flexibilizar' o comportamento do coleguinha (seja mais para um lado ou para o outro).
Como sair da treta e começar a colaborar?
Colocar um Explorador e um Realizador no mesmo time sem dar o contexto é pedir para um se irritar e o outro sair frustrado. Um acha o outro lento, quanto esse acha o primeiro um grande irresponsável.
Só que esse tipo de conflito vai muito além do ambiente de trabalho.
Essa separação de 'nós' e 'eles' é uma característica ancestral humana, como explicado no livro Tribos Morais, e para conseguir fazer a colaboração acontecer é preciso definir uma 'Meta Moralidade' compartilhada por todos os membros de um grupo.
As pessoas devem entender logo de início questões estratégicas fundamentais que estão motivando aquele trabalho, projeto ou iniciativa.
É preciso que todos saibam exatamente os motivadores, objetivos e até valores que estão guiando este grupo de trabalho.
Essa 'Meta Moralidade' deve ser elaborada para contemplar a visão de todos, independente de suas perspectivas individuais ou 'tribais'. Da mesma forma elas devem ter clareza sobre o que indica que elas estão indo rumo à vitória ou derrota coletiva.

Além disso, individualmente, é preciso sair do automático, abandonar a mentalidade usada na rotina operacional padrão e se permitir fazer análises mais flexíveis e deliberadas, sem receio de ser julgado pela 'tribo origem'.
Por fim, priorizar fatos e evidências para ancorar discussões em elementos da realidade é fundamental para evitar discussões e debates improdutivos.
Assim, quando bem orquestrados, esses perfis se complementam e criam uma poderosa máquina de evolução de conceitos e possibilidades:
- O Realizador mostra como as coisas são feitas;
- O Explorador provoca com ideias fora da curva;
- O Realizador investiga, cutuca com perguntas, taca pedras e aponta limites;
- Juntos, descobrem quais ideias são resistentes o suficiente;
- Quando chegam em um caminho viável, Explorador e Realizador desenham uma forma estável de executar e escalar;
- O Realizador assume a responsabilidade de fazer acontecer e garantir a entrega consistente no futuro 👈 e o explorador precisa estar muito ciente disso.
Mas é sempre importante se lembrar, o Realizador já estava lá no começo e é ele quem continuará com a operação, a rotina e a entrega. Ignorar esse ponto é pedir pra transformação sair capenga.
É como uma dança: há momentos em que um conduz e o outro segue. Depois invertem. E assim vai.
Isso aqui não é horóscopo.
Ninguém é só Explorador ou só Realizador.
Geralmente nós estamos em algum ponto no meio deste gradiente.
Uns mais pra lá, outros mais pra cá e algumas figuras abençoadas conseguem transitar entre os polos e se tornam ótimos líderes de iniciativas que precisam tanto de visão quanto de ação.
O interessante é saber essas diferenças de visão para poder mapear as predisposições de cada membro de um grupo de trabalho. Assim é possível montar equipes polivalentes que sabem ajustar sua mentalidade para, ao invés de querer estar sempre certo, focar em fazer dar certo.
Afinal, projetos de transformação já são difíceis por si.
Os participantes não precisam ser mais um complicador.
Um passo acima: O CPO
Não quer ficar preso só no formato bottom-up pra aplicar a ambidestria?
Tudo bem. Existe um caminho mais estrutural que começa pelo topo, criando uma posição de alta liderança que alguns chamam de CPO: Chief Project Officer.

Essa posição proposta há alguns anos está se mostrado uma forma prática para empresas que já sabem a dificuldade que é tirar uma ideia do papel — e como é complicado manter várias iniciativas alinhadas numa mesma visão estratégica de futuro.
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No próximo artigo, vamos mostrar como o intraempreendedorismo pode ser uma forma prática e segura de exercitar essa colaboração entre perfis diferentes e dar corpo à exploração, com resultados reais em ambiente controlado.