Leis e Regulações no Design
É crucial entender a conexão que existe entre a sociedade que cria as leis, as leis que alteram a realidade e o design que cria e consolida artefatos nessa realidade — e por consequência impacta e transforma a sociedade, inclusive suas leis, normas, regulamentos etc.
Podemos ilustrar essa conexão com uma simples caneta. Por exemplo:
- A quantidade de impostos embutidos;
- A margem de lucro sobre essa caneta;
- As normas e regulações da sua fabricação e comercialização;
- Onde essa caneta vai parar depois que ela for para o lixo;
- E até mesmo o que pode ser escrito ou não.
Toda produção de design que gera escala terá desdobramentos políticos, e por isso fica aqui o alerta para quem esqueceu que o Design Centrado em Humanos se refere às pessoas, aquelas de carne e osso, de verdade, não apenas números e dados.
“Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?" - Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira.
Design Exclusivo ou Excludente?
Não são poucas as situações em que o Design se coloca em um altar de sofisticação e preços inflados, apenas para construir uma percepção de que pertence a uma classe ou perfil elitizado de consumidores.
Por mais que isso dê certo para muitas marcas, essa postura é perversa quando vemos pessoas de menor poder aquisitivo sendo impedidas de acessar produtos básicos, ou então acessando apenas aqueles de "última linha" — mais baratinhos e de baixa qualidade, que logo as deixarão na mão.
São justamente essas pessoas que dependem a maior parte de seus salários para obtê-los, e por isso qualquer reparo ou inutilização pode gerar resultados muito profundos — talvez nem tanto nas métricas de avaliação desse produto, mas com certeza na vida dessas pessoas.
Vale a pena assistir o vídeo do Atila Iamarino falando sobre a Obsolescência Programada no seu canal no YouTube (link aqui).
Essa lógica de produção é contrária à essência do próprio design, do branding e da publicidade, que se propõe a criar conexões emocionais positivas através de experiências de qualidade.
A busca pelas margens mais gordas também aparece em incontáveis produtos "pseudo-premium", que apenas parecem melhores por causa do Design e do anúncio cativante, mas não possuem nada de concreto que justifique seu preço abusivo.
Para além dessa decisão aparentemente unilateral das empresas, é interessante sabermos que, de forma deliberada ou não, certas decisões políticas influenciam diretamente o mercado, suas produções e a própria cultura da sociedade, como podemos ver nessa apresentação da Vox.
Resumindo a história: a crise mundial do Petróleo, na década de 1970, fez o governo dos Estados Unidos tomar medidas rígidas sobre a eficiência dos automóveis.
Como picapes e caminhões eram utilizados em vários tipos de trabalhos, suas regras foram muito mais flexíveis, e o alvo acabou sendo apenas os carros de passageiros.
Em pouco tempo, as montadoras aproveitaram essa brecha para transformar os carros maiores em veículos do dia a dia: Design mais cativante, rádio, assentos mais confortáveis... e é claro, muita propaganda.
Como resultado, hoje as SUVs correspondem a mais de 80% das vendas de carros novos nos Estados Unidos, apesar do consumo mais alto de combustíveis, do espaço significativamente maior, e do aumento dos riscos em acidentes com pedestres e ciclistas.
Em 2021 os SUVs alcançaram o posto de líderes do mercado brasileiro, e quase ninguém poderia imaginar que isso é um desdobramento direto de uma norma aprovada há 50 anos nos Estados Unidos, visando ironicamente a redução do consumo de combustíveis.
As Faces do Desenvolvimento
O Brasil carece de políticas de fomento à inovação, e nós da Primata — por termos proximidade dos poucos mas excelentes programas que existem por aqui — somos grandes defensores desse tipo de política, que é responsável por gerar novas demandas de trabalho para designers e criativos.
Apesar disso, é sempre bom lembrarmos que desenvolvimento tecnológico e inovação não são sinônimos de progresso, porque eles podem atuar na contramão da melhoria de vida das pessoas e da sociedade.
Quer alguns exemplos para entender melhor esse argumento?
- Todos os países que investiram em armas nucleares - e qualquer tipo de arma de destruição em massa;
- Os "Hook-Models", com design de experiências e ciências de dados, que manipulam massas e agravam problemas mentais e sociais;
- Manipulação Genética em humanos que não sofrem de nenhuma condição deste tipo, como explicado no livro HomoDeus;
- Tecnologias de Biopirataria;
- Técnicas, recursos e métodos de Espionagem em Massa;
- Alimentos Ultra Processados.
Em 2011, o Diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU disse que precisaria de U$ 7 bilhões para evitar que mais de 40 milhões de pessoas morressem de fome no ano seguinte, em 43 países diferentes.
Esse valor equivale a menos de 30% do que foi investido no Projeto Manhattan, responsável por criar as primeiras bombas atômicas.
O relatório recém-publicado pela ONU mostra que apesar da semelhança entre os índices de 2021 e 2022, a fome no mundo está muito mais grave do que antes da Pandemia do Coronavírus.
Como bem disse o slogan da Ação da Cidadania, quem tem fome tem pressa. Não podemos esperar que os problemas mais básicos e urgentes do mundo se resolvam a partir das meras "externalidades" ou "consequências naturais" do progresso.
Acessibilidade e Inclusão
A Acessibilidade tem sido cada vez mais difundida no meio de digital, especialmente nos times de UX, mas você sabe o que motivou essas ações nas grandes empresas?
Após diversos conflitos, em 1996 o Departamento de Justiça dos Estados Unidos classificou a internet como uma public accommodation, algo como um espaço público, obrigando judicialmente grandes empresas a garantir a acessibilidade em seus sites.
Por estarmos falando de tecnologias que se transformam a todo momento, diversas decisões se seguiram até a consolidação das Diretrizes de Acessibilidade de Conteúdo da Web (WCAG), em 1999, e suas atualizações continuam até hoje.
Um movimento similar vem acontecendo com relação o ESG, que tem obrigado as empresas a desenvolverem ações e políticas mensuráveis com relação ao meio ambiente e às causas sociais e humanas.
Isso tudo mostra que por mais que muitas empresas convertam essas obrigações legais em campanhas de branding, talvez suas motivações reais não sejam tão progressistas assim, e provavelmente não teríamos avançado nessas áreas se dependêssemos apenas da boa vontade.
Design para evitar Catástrofes
Nas últimas décadas o desenvolvimento sustentável deixou de ser uma preocupação setorizada, como uma ideologia ou utopia de alguns grupos sociais, para se tornar uma obrigação em todo o mundo.
Os princípios de ESG e as ODS da ONU estão orientando empresas, países e governos em todas as ações que impactam direta e indiretamente o meio ambiente, e o motivo é simples: não existe outra opção.
O mês passado (julho de 2023) foi o mês mais quente já registrado na história, inclusive na temperatura da superfície dos oceanos, e o Relógio do Juízo Final nunca esteve tão próximo da meia noite.
Nesse contexto, o Design Circular é uma pauta que estará cada vez mais presente no desenvolvimento dos produtos, visando eliminar completamente a geração de resíduos e criar modelos de produção mais sustentáveis.
Veja o Papo Reto que fizemos sobre Design Circular:
Em uma perspectiva mais ampla, o Design poderá desempenhar um papel estratégico tanto nos grandes temas (crise hídrica, combate à fome, produção de alimentos, geração de energia, poluição, desmatamentos etc.) quanto na escala micro, gerando soluções inovadoras mais alinhadas às questões ambientais em qualquer tipo de projeto.
Infelizmente, o que não falta é problema para ser resolvido, tanto em termos ambientais quanto políticos, sociais, humanitários, econômicos etc.
Cabe ao Designer não se fechar na sua bolha — desculpa o clichê, mas é verdade — e aproveitar todo o seu potencial para trabalhar mais ativamente na melhoraria da vida das pessoas, antes que uma lei o obrigue ou certos problemas se tornem irremediáveis.