Quem faz Design também faz Política

13.8.2023

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Artigo #09 | Quem faz Design também faz Política

13.8.2023

Quem faz Design também faz Política

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O Design é o processo que visa transformar a realidade, e por isso naturalmente seus impactos também alcançam a esfera política e, direta ou indiretamente, toda a sociedade. Nesse artigo, queremos jogar luz sobre o aspecto político que permeia toda e qualquer criação de Design, e como algumas pautas essenciais foram ignoradas ou desvirtuadas.

Chega a ser impressionante a idolatria com quem “pensa fora da caixa”, como se a criatividade fosse uma habilidade exclusiva de algumas poucas pessoas.

Ironicamente, são raros os ambientes que incentivam de verdade as experimentações e são tolerantes com erros, falhas ou possíveis resultados insatisfatórios de alguma ideia nova.

É como se a equipe ou a pessoa criativa tivesse que ter um momento Eureka na hora certa, o que contraria a própria essência imprevisível do momento Eureka.Nenhum projeto pode ser refém de brilhantismos randômicos, porque isso sim significaria um risco para os investimentos de tempo e dinheiro, assim como uma incerteza com relação aos resultados.

Nesse contexto, o grande desafio é conciliar progresso com segurança e inovação com previsibilidade, o que geralmente é feito com planejamentos e estruturas sólidas, mas também — erroneamente — através da constante busca por brilhantismos individuais.

Nesse artigo nós falamos sobre a essência democrática da criatividade, reforçando a visão de que ela é algo inerente a todas as pessoas, e apresentamos alguns requisitos para que ela possa florescer.

No final, também mostramos um framework próprio da Primata, a Copa do Mundo de Ideias, e mostramos algumas técnicas que ajudam a potencializar a criatividade colaborativa.

Por que somos todos Primatas Criativos?

Uma das nossas grandes referências para a escolha do nome “Primata Criativo” foi justamente essa essência ancestral da criatividade, intrínseca em todos nós desde os primórdios.

Como comentamos aqui, nossos “primos distantes” já faziam design há centenas de milhares de anos, lascando pedras para criar ferramentas e joias.

Pintura rupestre de um javali selvagem, com mais de 45,5 mil anos. Encontrada na Indonésia em

A comunicação gráfica também é uma das nossas linguagens mais antigas, e inicialmente também era usada para transmitir conhecimentos tecnológicos e culturais.

Tão impressionante quanto essas criações terem ocorrido há tanto tempo é o fato de que elas sobreviveram até hoje, o que não seria possível sem técnicas sofisticadas

Isso mostra que a capacidade de imaginar, construir e manifestar algo novo sempre fez parte de nós, e todos podemos fortalecer essa habilidade, é só uma questão de prática e aperfeiçoamento.

A Criatividade como algo de "Superstars"

Por diversas questões, pela forma como a cultura da nossa sociedade se desenvolveu ao longo dos séculos, a criatividade foi sendo separada do dia a dia. Essa cisão ficou ainda mais intensa após a revolução industrial, com as produções em série e massificação.

Hoje vemos a criatividade ser podada desde cedo, na escola ou no lar — e a crença de que a criatividade é uma espécie de dom também vai passando de geração em geração. Que equívoco.

Nesse mesmo sentido, os ambientes sociais também se tornaram cada vez menos tolerantes às experimentações, pois erros resultam em punições.



A Criação de Adão, de Michelangelo.

Com o passar do tempo, a criatividade ficou cada vez mais restrita às manifestações artísticas ou profissões específicas, e aos demais seres humanos, que supostamente não foram abençoados, só resta o trabalho.

Em meio a tudo isso, agora a sociedade nos pede: sejam diferentes, pensem fora da caixa, inovem (mas obviamente sem muitos riscos). Como?

O poder das Tribos Criativas

Depois de tantas experiências boas e ruins, aprendemos na teoria e na prática que para trabalhar com a criatividade, também é preciso saber trabalhar a inteligência do grupo.

Ao invés de esperar pelo brilhantismo de um indivíduo "iluminado", precisamos de dezenas ou centenas de ideias para escolhermos colaborativamente as que tem maior potencial. Duas (ou muitas) cabeças pensam melhor que uma, não é?

No livro O Poder do Nós, os psicólogos Dominic Packer e Jay Van Bavele mostram alguns elementos que tornam grupos mais inteligentes, e a inteligência emocional tem um papel fundamental.

  1. Diversidade: Grupos diversos são mais propensos a ter uma gama mais ampla de perspectivas, o que permite uma melhor geração e avaliação das ideias.
  2. Integridade: Quando as pessoas confiam umas nas outras, elas sentem maior abertura para compartilhar suas ideias, e por isso tendem a ser mais honestas e dar maior abertura para receber críticas.
  3. Tempo: Quando todos se sentem ouvidos e respeitados, o compromisso com a tomada de decisão é maior — ou seja, quanto menos autoritarismo e tagarelice, melhor.
  4. Comunicação: Os grupos que são capazes de se comunicar de forma eficaz são mais propensos a entender uns aos outros e a chegar em consenso. Na práica isso significa evitar picuinhas ou meias palavras.

Quando colocadas em prática, essas quatro diretrizes permitem que a ideias surjam com mais naturalidade e fazem com que as pessoas se sintam mais confortáveis no caótico processo criativo.

As coisas ficam ainda melhores quando temos objetivos claros e todos possuem acesso a informações de qualidade a respeito do projeto.

Instrumentos Criativos

As ferramentas também possuem um papel fundamental para o sucesso da criatividade, sejam elas instrumentos musicais, pinceis, tintas ou lata de spray, um martelo e serrote, uma metodologia ou um framework, enfim...



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A evolução do artificial está diretamente ligada a evolução das ferramentas de cada tempo, por isso também é importante ficarmos atentos às tecnologias que permitem a produção criativa.

A Copa do Mundo de Ideias é uma das nossas ferramentas criadas para ajudar a decidir qual a melhor ideia do grupo, utilizando um sistema de rodadas eliminatórias onde diferentes conceitos são colocados frente a frente para saber qual atende melhor os critérios do desafio/objetivo.Esses critérios também são estruturados de acordo com cada projeto, por exemplo, no caso da escolha de um nome: qual soa melhor, qual é mais memorável, quais associações positivas ele promove, entre outros.

Cada um desses critérios "marca um gol" para uma das duas ideias em disputa, o que não impede a possibilidade de um possível empate tanto do próprio critério específico, quanto da "partida", o que é resolvido por um momento de deliberação mais aberto.

Também há um "critério de segurança" para barrar possíveis ideias prejudiciais, como por exemplo, ainda aproveitando o exemplo dos nomes, "possível sensação ruim que ele causa".

Framework da Copa do Mundo dos Nomes, elaborado pela Primata Criativo.

A substituição do brainstorm pelo brainwrite (também conhecido como Técnica de Grupo Nominal) trouxe resultados infinitamente melhores, especialmente ao impedir que aquela pessoa tagarela domine a sessão de ideação. E ao trabalhar as anotações anonimamente, suprimimos egos inflamados e julgamentos que podem ser prejudiciais para o projeto.

No fim das contas, adotamos algo que chamamos internamente de Processo Darwiniano de Ideação: os insights mais fortes ou adaptáveis sobrevivem ao processo de avaliar e testar ideias.

Conclusão

Todas as pessoas são criativas e podem ajudar a imaginar e a criar algo novo, mas se o ambiente não dá abertura para erros, se os encontros não permitem que todos falem, se a chefia intimida ao invés de liderar, se não há confiança entre os membros da equipe e se não há ferramentas apropriadas, nem com toda inspiração do mundo é possível criar algo original e de qualidade.

Se você gostou desse conteúdo, e tem curiosidade para saber mais sobre os nossos métodos e ferramentas, fique ligado porque tem muita coisa boa saindo da fogueira!

Leis e Regulações no Design

É crucial entender a conexão que existe entre a sociedade que cria as leis, as leis que alteram a realidade e o design que cria e consolida artefatos nessa realidade — e por consequência impacta e transforma a sociedade, inclusive suas leis, normas, regulamentos etc.

Podemos ilustrar essa conexão com uma simples caneta. Por exemplo:

  • A quantidade de impostos embutidos;
  • A margem de lucro sobre essa caneta;
  • As normas e regulações da sua fabricação e comercialização;
  • Onde essa caneta vai parar depois que ela for para o lixo;
  • E até mesmo o que pode ser escrito ou não.

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Canetas sobre a mesa. @Primata Criativo

Toda produção de design que gera escala terá desdobramentos políticos, e por isso fica aqui o alerta para quem esqueceu que o Design Centrado em Humanos se refere às pessoas, aquelas de carne e osso, de verdade, não apenas números e dados.

“Não existe imparcialidade. Todos são orientados por uma base ideológica. A questão é: sua base ideológica é inclusiva ou excludente?" - Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira.


Design Exclusivo ou Excludente?

Não são poucas as situações em que o Design se coloca em um altar de sofisticação e preços inflados, apenas para construir uma percepção de que pertence a uma classe ou perfil elitizado de consumidores.

Por mais que isso dê certo para muitas marcas, essa postura é perversa quando vemos pessoas de menor poder aquisitivo sendo impedidas de acessar produtos básicos, ou então acessando apenas aqueles de "última linha" — mais baratinhos e de baixa qualidade, que logo as deixarão na mão.

São justamente essas pessoas que dependem a maior parte de seus salários para obtê-los, e por isso qualquer reparo ou inutilização pode gerar resultados muito profundos — talvez nem tanto nas métricas de avaliação desse produto, mas com certeza na vida dessas pessoas.


Vale a pena assistir o vídeo do Atila Iamarino falando sobre a Obsolescência Programada no seu canal no YouTube (link aqui).


Essa lógica de produção é contrária à essência do próprio design, do branding e da publicidade, que se propõe a criar conexões emocionais positivas através de experiências de qualidade.

A busca pelas margens mais gordas também aparece em incontáveis produtos "pseudo-premium", que apenas parecem melhores por causa do Design e do anúncio cativante, mas não possuem nada de concreto que justifique seu preço abusivo.

Para além dessa decisão aparentemente unilateral das empresas, é interessante sabermos que, de forma deliberada ou não, certas decisões políticas influenciam diretamente o mercado, suas produções e a própria cultura da sociedade, como podemos ver nessa apresentação da Vox.

Resumindo a história: a crise mundial do Petróleo, na década de 1970, fez o governo dos Estados Unidos tomar medidas rígidas sobre a eficiência dos automóveis.

Como picapes e caminhões eram utilizados em vários tipos de trabalhos, suas regras foram muito mais flexíveis, e o alvo acabou sendo apenas os carros de passageiros.

Em pouco tempo, as montadoras aproveitaram essa brecha para transformar os carros maiores em veículos do dia a dia: Design mais cativante, rádio, assentos mais confortáveis... e é claro, muita propaganda.

Como resultado, hoje as SUVs correspondem a mais de 80% das vendas de carros novos nos Estados Unidos, apesar do consumo mais alto de combustíveis, do espaço significativamente maior, e do aumento dos riscos em acidentes com pedestres e ciclistas.

Em 2021 os SUVs alcançaram o posto de líderes do mercado brasileiro, e quase ninguém poderia imaginar que isso é um desdobramento direto de uma norma aprovada há 50 anos nos Estados Unidos, visando ironicamente a redução do consumo de combustíveis.


As Faces do Desenvolvimento

O Brasil carece de políticas de fomento à inovação, e nós da Primata — por termos proximidade dos poucos mas excelentes programas que existem por aqui — somos grandes defensores desse tipo de política, que é responsável por gerar novas demandas de trabalho para designers e criativos.

Apesar disso, é sempre bom lembrarmos que desenvolvimento tecnológico e inovação não são sinônimos de progresso, porque eles podem atuar na contramão da melhoria de vida das pessoas e da sociedade.

Quer alguns exemplos para entender melhor esse argumento?

  1. Todos os países que investiram em armas nucleares - e qualquer tipo de arma de destruição em massa;
  2. Os "Hook-Models", com design de experiências e ciências de dados, que manipulam massas e agravam problemas mentais e sociais;
  3. Manipulação Genética em humanos que não sofrem de nenhuma condição deste tipo, como explicado no livro HomoDeus;
  4. Tecnologias de Biopirataria;
  5. Técnicas, recursos e métodos de Espionagem em Massa;
  6. Alimentos Ultra Processados.


Em 2011, o Diretor do Programa Mundial de Alimentos da ONU disse que precisaria de U$ 7 bilhões para evitar que mais de 40 milhões de pessoas morressem de fome no ano seguinte, em 43 países diferentes.

Esse valor equivale a menos de 30% do que foi investido no Projeto Manhattan, responsável por criar as primeiras bombas atômicas.


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@ONU - O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (2023)


O relatório recém-publicado pela ONU mostra que apesar da semelhança entre os índices de 2021 e 2022, a fome no mundo está muito mais grave do que antes da Pandemia do Coronavírus.

Como bem disse o slogan da Ação da Cidadania, quem tem fome tem pressa. Não podemos esperar que os problemas mais básicos e urgentes do mundo se resolvam a partir das meras "externalidades" ou "consequências naturais" do progresso.


Acessibilidade e Inclusão

A Acessibilidade tem sido cada vez mais difundida no meio de digital, especialmente nos times de UX, mas você sabe o que motivou essas ações nas grandes empresas?

Após diversos conflitos, em 1996 o Departamento de Justiça dos Estados Unidos classificou a internet como uma public accommodation, algo como um espaço público, obrigando judicialmente grandes empresas a garantir a acessibilidade em seus sites.


Imagem com fundo laranja e vários quadrados pequenos nas cores azul, roxo, preto, vermelho e também laranja. Esses quadrados possuem várias imagens diferentes, incluindo representações de audição, visão, braile, locomoção, além de um cérebro, homens e mulheres diversos.
@Matt May, Adobe Blog.


Por estarmos falando de tecnologias que se transformam a todo momento, diversas decisões se seguiram até a consolidação das Diretrizes de Acessibilidade de Conteúdo da Web (WCAG), em 1999, e suas atualizações continuam até hoje.

Um movimento similar vem acontecendo com relação o ESG, que tem obrigado as empresas a desenvolverem ações e políticas mensuráveis com relação ao meio ambiente e às causas sociais e humanas.

Isso tudo mostra que por mais que muitas empresas convertam essas obrigações legais em campanhas de branding, talvez suas motivações reais não sejam tão progressistas assim, e provavelmente não teríamos avançado nessas áreas se dependêssemos apenas da boa vontade.


Design para evitar Catástrofes

Nas últimas décadas o desenvolvimento sustentável deixou de ser uma preocupação setorizada, como uma ideologia ou utopia de alguns grupos sociais, para se tornar uma obrigação em todo o mundo.

Os princípios de ESG e as ODS da ONU estão orientando empresas, países e governos em todas as ações que impactam direta e indiretamente o meio ambiente, e o motivo é simples: não existe outra opção.

O mês passado (julho de 2023) foi o mês mais quente já registrado na história, inclusive na temperatura da superfície dos oceanos, e o Relógio do Juízo Final nunca esteve tão próximo da meia noite.

Nesse contexto, o Design Circular é uma pauta que estará cada vez mais presente no desenvolvimento dos produtos, visando eliminar completamente a geração de resíduos e criar modelos de produção mais sustentáveis.


Veja o Papo Reto que fizemos sobre Design Circular:

Em uma perspectiva mais ampla, o Design poderá desempenhar um papel estratégico tanto nos grandes temas (crise hídrica, combate à fome, produção de alimentos, geração de energia, poluição, desmatamentos etc.) quanto na escala micro, gerando soluções inovadoras mais alinhadas às questões ambientais em qualquer tipo de projeto.

Infelizmente, o que não falta é problema para ser resolvido, tanto em termos ambientais quanto políticos, sociais, humanitários, econômicos etc.

Cabe ao Designer não se fechar na sua bolha — desculpa o clichê, mas é verdade — e aproveitar todo o seu potencial para trabalhar mais ativamente na melhoraria da vida das pessoas, antes que uma lei o obrigue ou certos problemas se tornem irremediáveis.

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