Quem está fazendo design: o designer ou o Pinterest?
Seja referenciando casos de sucesso ou sob o pretexto de não ofender ninguém, muitos designers — e algoritmos — estão dispensando a originalidade e dando preferência para sensos comuns.
Essa padronização via minimalismo fica evidente quando analisamos aplicativos, carros, arquiteturas e produtos físicos em geral, que até mesmo no Behance já apresentam uma semelhança impressionante entre conceitos de vários cantos do mundo, apesar de partirem de culturas e linguagens muito diferentes entre si.
Se muitas ferramentas e aplicativos já fornecem infinitas referências, inspirações e protótipos para boa parte dos trabalhos criativos, inclusive de forma gratuita, qual a necessidade de se contratar um designer?
As novas tecnologias são treinadas com dados coletados ao longo da história, ou seja, elas não elaboram coisas realmente novas, mas sim resultados “probabilisticamente mais corretos” conforme os dados coletados para esse treino.
A partir disso, percebemos que ao invés de proporem algo autenticamente inovador, elas sempre se embasarão no que já foi feito antes, reforçando estereótipos e eventualmente vieses problemáticos, o que é o oposto da inovação.

O diferencial do designer e o problema da presunção.
Muitos designers ainda se formam acreditando terem aprendido todas as técnicas para resolver qualquer problema. Essa cultura também é reforçada socialmente, já que profissionais de design passam a impressão de que trabalham em um "templo da criatividade” para resolverem problemas sozinhos.
Esse modus operandi focado no “heroísmo” e na “padronização” acaba ignorando as essências disruptivas, colaborativas, propositivas e inovadoras do design, que são algumas das qualidades que fizeram o design se propagar no mundo todo.
As novas mídias e tecnologias potencializam a forma como o design foi, é e será feito, o que indica a necessidade constante de se especializar em ferramentas, e não um risco para a existência da profissão. Os computadores substituíram as máquinas de escrever, mas nem por isso acabaram com os escritores, da mesma forma que o Photoshop não substituiu arquitetos e designers.

Nenhuma tecnologia poderá superar a capacidade humana de compreender os problemas de forma profunda, considerando contextos históricos, culturais e sociais, e de correlacioná-los de maneira não usual para propor soluções realmente significativas para as pessoas, unindo identidade, usabilidade e valor simbólico.
A abordagem holística e multidisciplinar, o trabalho colaborativo e o poder de convergência para criar projetos verdadeiramente únicos só são possíveis através de constantes pesquisas, redescobertas, aprendizagens e experimentações, e a principal ferramenta de transformação humana continuará sendo a mesma: o cérebro.
São essas habilidades que evidenciam a importância do designer, e são elas que embasarão cada vez mais o seu valor no futuro.
Pautas inegociáveis
Existem ao menos três grandes questões que englobam todo o nosso planeta e que serão cada vez mais fundamentais em qualquer projeto de design: a crise climática, os problemas sociais e a ética, e nenhuma delas será resolvida com o ChatGPT ou o Firefly.
Ao construir uma embalagem, por exemplo, o designer que só se preocupa com estilo, identidade visual e tipografia está atrasado em questões básicas que se mostram cada vez mais importantes, como entendimentos mais profundos sobre materiais, logística reversa, pós-uso e questões de supply chain, que são fundamentais para a construção de soluções circulares, que por sua vez são indispensáveis para o equilíbrio ambiental e a sobrevivência humana.
Em linhas gerais, todo designer terá responsabilidades diretas e indiretas sobre os impactos ambientais e sociais do seu trabalho, indo muito além de questões de acessibilidade, inclusão ou selo verde. Muitos atuarão diretamente na resolução de grandes problemas, por exemplo no combate à fome, uma pauta muito atual e inaceitável, e que cresceu assustadoramente nos últimos anos.

De acordo com O Pacto Contra a Fome, o Brasil hoje desperdiça oito vezes a quantidade de alimentos necessária para alimentar os 33,1 milhões de brasileiros que não tem o que comer, nem sabem quando voltarão a fazer uma refeição. Considerando os níveis moderados e leves de insegurança alimentar, o número de brasileiros afetados chega a 125 milhões, ou seja, 6 em cada 10 brasileiros.
A perspectiva holística do design poderia contribuir significativamente com soluções de logística ou mesmo na elaboração de políticas públicas transversais que articulassem cada região, comunidade e pessoa vulnerável, para citar apenas dois exemplos dentre infinitas possibilidades.
No futuro, nenhum designer terá o luxo de se limitar a ser apenas um porta-voz do Pinterest: todos atuarão como verdadeiros agentes de transformação, ou serão facilmente substituídos por ferramentas e tecnologias que, hoje mesmo, já realizam trabalhos automatizados em uma velocidade insuperável por qualquer pessoa.
Se o designer realmente gastar um pouco de tutano pensando em novas formas de melhorar a vida das pessoas e a sociedade, dificilmente uma máquina poderá substituí-lo: elas serão apenas ferramentas de apoio.